Dia 15 de outubro é uma data especial para muita gente. Dia do professor. Chovem felicitações, desabam elogios, enchentes de agradecimentos afogam os perfis na rede e antes dela, cartões bonitinhos, com corações e outros mimos.
Entretanto, deve ser um dia para reflexão, tanto de professores e professoras quanto de estudantes e todos que estejam envolvidos no complexo processo de ensino-aprendizagem.
Ser professor não é um dom. Ser professor não é sacerdócio. Ser professor não é ser pobre. Explico.
As atividades ligadas ao magistério precisam de técnica. Expressão oral pode ser aperfeiçoada, cursos de oratória ajudam a desenvolver a capacidade de comunicação que todo ser humano possui. Falar em público não é pra todo mundo (se fosse não existiriam cursos para isso). Dom de falar todos têm, ser ouvido e entendido é outra coisa.
Preparar aulas não é ler um texto, escrever no quadro ou passar um filme. Planejamento requer domínio de conteúdo, reflexão sobre a melhor maneira de abordar temáticas e capacidade de refletir sobre a própria prática e o resultado do que foi feito em sala de aula.
Professores passam horas da vida estudando, lendo livros, fazendo resumos, debatendo com colegas para serem vistos como mercenários quando cobram aumento de salários ou valores considerados altos para aulas particulares. É investimento, não gasto.
Reportagens em primeira página de jornal: CENTENAS DE ESTUDANTES SÃO PREJUDICADOS PELA GREVE. E em seguida as declarações:
- meu filho vai ter o aprendizado prejudicado.
- Logo agora que já está no último semestre da faculdade...
Interessante, pois são os mesmos pais que desrespeitam professores quando os filhos fantásticos batem em colegas, perturbam a aula e até agridem o professor. Ou a clássica nota baixa e a frase que eu escuto muito:
- meu filho ficou em recuperação em História (em algumas escolas, Sociologia)! Como pode, professor Salviano?
Simples, dona Fulana: ele não estudou, não entregou uma atividade, sequer fora do prazo e ainda não prestava atenção na aula, mais interessado no facebook, instagram e outras inovações tecnológicas.
Não se questiona o seguinte: é a educação dos filhos que está em jogo. Baixa remuneração, escolas precárias e somos responsáveis pela miséria do mundo.
Não senhora, não passei e passo horas estudando para ser palhaço para seus filhos sorrirem. Essas leituras enviesadas de Paulo Freire (pouco lido de verdade e muito falado),e de supostos educadores como Gabriel Chalita e os outros que provavelmente não passaram ou passaram pouco tempo em sala de aula não são válidas para tratar de minha prática.
Pedagogias do afeto, do amor são muito bonitas. Filmes como Sociedade dos Poetas Mortos, Clube do Imperador, O Triunfo são muito belos mas esvaziam a discussão real sobre o papel do professor em uma estrutura que valoriza mais o que é técnico do que reflexivo. Parece que somos feitos apenas de amor, carinho ou excentricidade.
Não quero afirmar que todos somos perfeitos. Longe disso. Existem professores e professores assim como médicos e médicos.
Costumo dizer aos meus estudantes em cursos pré-vestibulares e no meu curso particular:
- quer ser médico? Vá ser médico!
- quer ser desembargador? Vá ser desembargador! Não curse Biologia e se torne professor porque não passou em Medicina, ou História pois foi reprovado no vestibular para Direito. O MUNDO NÃO PRECISA DE MAIS PROFISSIONAIS FRUSTRADOS!
A condição é essa: muito trabalho, pouco resultado imediato, riscos de vida. Se acredita que vai aguentar, siga adiante. Se pensou que ia conseguir e se surpreendeu negativamente, SAIA DA SALA DE AULA. OU REIVINDIQUE. MAS NÃO QUEIME COLEGAS DE TRABALHO QUE ACREDITAM NO QUE FAZEM E FAZEM EM PROL DA COLETIVIDADE. O que temos hoje foi fruto de outros professores que não temeram avançar.
Se sua vida como professor não te agrada, saia dela. É o que fazemos com estação de rádio quando não toca a música que queremos ouvir. Mas não desanime estudantes que te perguntam se é bom ser professor. Exponha as condições e contradições. Não temos direito algum de dizer para jovens que nosso ofício é péssimo e, estranhamente, ainda estamos nele.
Agradeço todos e todas que foram meus estudantes, o reconhecimento de vocês é muito bom, mas ficarei mais feliz se puder encontra-los atuando de maneira mais incisiva sobre a sociedade, apoiando mudanças, contra as formas diversas de injustiça que trajam pele de cordeiro com discursos de liberdade.
Quero estudantes que me questionem. DISCÓRDIA é o termo que uso em minhas aulas para definir a prática do ano letivo. Respeito todos e todas que discordarem do que digo. Se me contradigo, cito Walt Whitman: Contenho multidões.
Quero estudantes responsáveis, que entreguem atividades no prazo, respeitem os colegas de sala, sejam honestos e não filem, pois como podemos questionar, com legitimidade, os desmandos de nossos políticos se em nosso microuniverso também transgredimos? Estendendo tais comportamentos para outras áreas da vida, além da escola, terão feito a diferença.
Pode parecer desabafo, pode parecer fúria. É tudo e nada disso. Pois no dia 15 de outubro desabam elogios, beijos e abraços e eu gosto muito de tudo isso, mas precisamos pensar mais profundamente. E AGIR.
Para mim, Salviano Feitoza, professor de História, o dia 15 representa dia de reinvenção, de negação do que está dado como pronto.
É PENSAR FORA DA CAIXA.
É TER HISTÓRIA NA CABEÇA.