Estamos todos cobertos de política até o pescoço. E não é por causa período eleitoral, mas porque a política real se constitui a partir de todas as discussões, debates, lutas e decisões que se desenrolam todos os dias, nas quais estamos envolvidos querendo ou não. O momento eleitoral é só mais uma parte do processo e deve relacionar-se de maneira coerente com o restante, do contrário todos os belos discursos são apenas falas vazias construídas por publicitários, comunicadores e especialistas em campanha que sabem exatamente o que fazer para vender uma ideia, seja ela uma proposta infundada ou um novo modelo de celular que faz o mesmo que o anterior, mas promete ser melhor.
O grande problema de consagrar a eleição como momento máximo da democracia é estimular o esquecimento do processo restante, como o acompanhamento dos atos dos representantes eleitos ou as possibilidades de ação direta do povo, que existem e são poderosas mesmo na democracia representativa. As chamadas que ressaltam um "vem pra urna" ou um "democracia se faz nas eleições" reduzem de maneira significativa as possibilidade de mudança, pois o eleitor tem as suas opções limitadas a três ou quatro candidatos que cantam trechos diferentes de uma mesma música.
Uma boa escolha eleitoral não é feita assistindo ao horário político gratuito ou a entrevistas pseudojornalísticas, pois as regras do horário eleitoral não dão condição de concorrência igualitária e as danosas entrevistas servem mais para alimentar os egos dos apresentadores do que para explicar à população o que significam as políticas pretendidas e como serão realizados os milagres agendados para o primeiro ano de mandato. A escolha também deve considerar quem dá sustentação financeira para cada campanha, não se pode esperar que cada um dos milhõezinhos liberados tenha saído de casa sem data pra voltar.
Essas incoerências sobre a política brasileira, mas não só brasileira, não querem dizer que não há alternativas e não devem motivar o brado coletivo de que "são todos uns ladrões e corruptos", pelo fato de que este brado é inútil. Acreditar que não tem jeito só é válido pra quem lucra com a situação atual. Há opções, mas elas passam despercebidas, enquanto a maioria da população decide entre o menos pior.
Antes de alimentar a certeza de que são todos péssimos ou que são todos iguais, cabe perguntar se conhecemos realmente todas elas e todos eles. Se tivemos o trabalho de pesquisar detalhadamente quem são, o que querem, com quem se relacionam e no que acreditam, aí sim podemos dizer que escolhemos, do contrário aquele voto de cabresto estudado nos livros de história só se modificou, se moralizou e arrumou um jeito de nos fazer acreditar que escolhemos livremente.
Simone Pessoa - é jornalista e odeia ter que contar piadas sem graça, mas como a sociedade pede sátiras para suas contradições e aberrações cotidianas, ela se dedica a este trabalho sujo.
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