As canções são uma importante fonte para compreensão das formas de pensar de uma sociedade, principalmente pelo que podemos descobrir nelas enquanto o jeito com o qual uma sociedade se vê, guardando a contradição entre como uma sociedade se vê e como ela é.
A canção Camaro Amarelo, de Munhoz e Mariano pode ser analisada a partir do que revelam sobre status e papel social. Eis a letra:
Agora eu fiquei doce, doce, doce, doce
Agora eu fiquei do-do-do-do-doce, doce [2x]
Agora eu fiquei doce igual caramelo
Tô tirando onda de camaro amarelo
Agora você diz: "Vem cá que eu te quero!"
Quando eu passo no camaro amarelo
Quando eu passava por você na minha CG
Você nem me olhava
Fazia de tudo pra me ver, pra me perceber
Mas nem me olhava
Aí veio a herança do meu ‘véio',
Resolveu os meus problemas, minha situação
E do dia pra noite fiquei rico
Tô na grife, tô bonito
Tô andando igual patrão
Agora eu fiquei doce igual caramelo
Tô tirando onda de camaro amarelo
Agora você diz: "Vem cá que eu te quero!"
Quando eu passo no camaro amarelo
Agora você vem, né? E agora você quer, né?
Só que agora vou escolher, ta sobrando mulher
Agora você vem, né? E agora você quer, né?
Só que agora vou escolher, ta sobrando mulher
Status (ou posição social) diz respeito ao local que indivíduos e grupos ocupam em uma sociedade. Essa posição pode ser atribuída e adquirida, ou seja, nos colocam em determinados locais sociais a partir de elementos que não escolhemos (ser filha/o de tais pais e mães, netas/os de tal avô) e dos elementos que tem relação com o que fazemos, com as nossas ações (bom filho, ótima cirurgiã etc.).
A canção expõe uma situação de distribuição desigual de prestígio a partir da posição social que é atribuída ao indivíduo pelo bem material que ele possuía – a moto modelo CG. No caso ele não era “visto”, não era percebido apesar do esforço que ele empreendia. Podemos entender o status que é atribuído ao indivíduo por causa do bem material que ele tem e que nesse caso é uma posição rebaixada, relacionada com a suposta baixa qualidade da motocicleta.
O status que é atribuído a ele muda quando ele recebe a herança do “véio”, pois, a partir daquele momento ele pôde adquirir bens materiais de suposta qualidade maior, no caso um automóvel tipo camaro e de cor amarela, que dá título a canção. Ele passa a receber atenção que antes, com a moto de qualidade duvidosa, não tinha e tanto desejava.
Ao mesmo tempo a canção contribui para a manutenção de uma imagem de mulher como sendo atraída por bens materiais. Na canção, antes da herança e do camaro, não havia atração aparente e, depois do camaro, “tá sobrando mulher”. Atribui-se uma posição social de “interesseira” que reafirma uma construção histórica de décadas e décadas.
Nesse ponto chega-se ao papel social, o conjunto de comportamentos que se espera de alguém, de um grupo a partir da posição que ele ocupa. A canção fortalece a ideia de que quem tem dinheiro para além do que necessita, ostenta, esbanja e, para as mulheres, de que se aproximarão de quem tiver mais bens materiais para oferecer.
A perspectiva aqui não é julgar comportamentos, mas instrumentalizar o olhar a partir dos conceitos de status e papel sociais e identificar como, no cotidiano, ocorre a construção e reafirmação de conjuntos de ideias que compõe nossas formas de agir, pensar e mesmo de sentir (uma das definições de ideologia).
0 comentários:
Postar um comentário