Menu Superior Horizontal

  • E
  • D
  • C
  • B
  • A

ARTIGOS

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O "SER DE ESQUERDA" E A AMPLIAÇÃO DO QUE VEM A SER ISSO - A FUNDAMENTAL CONTRIBUIÇÃO DE DELEUZE

Uma das frases mais repetidas nos últimos tempos é: 

"Não existe mais esse negócio de esquerda ou direita!" "isso está ultrapassado!"

Uma das formas pelas quais a ideologia se mantém e se reproduz é através da homogeneização das diferenças e ocultação das contradições. É fundamental considerar que esquerda / direita são mais do que posicionamentos políticos ou ideológicos. São formas de ser, estar e agir no mundo.

Ainda que o posicionamento ativo não pareça existir ou está tão diluído que podemos ver caminhando juntos, em alguns setores do nosso cotidiano político (e social), grupos, pessoas, partidos que, noutros tempos, sequer dividiriam palcos, muito menos uma coligação a situação que temos diante de nós pede uma reflexão além do que a vista alcança.

Já passou da hora de se repensar algumas posturas conciliatórias, que foram proveitosas noutro momento, para lembrar que a dinâmica social vai gerar a transformação e esse acordo conciliatório criou sua própria antítese exposta na composição de nossa casa legislativa.

O pensador Deleuze foi questionado sobre o que é ser de esquerda. Eis sua resposta:

"Acho que não existe governo de esquerda. Não se espantem com isso. O governo francês, que deveria ser de esquerda, não é de esquerda. Não é que não existam diferenças nos governos. O que pode existir é um governo favorável a algumas exigências da esquerda. Mas não existe governo de esquerda, pois a esquerda não tem nada a ver com governo. Se me pedissem para definir o que é ser de esquerda ou definir a esquerda, eu o faria de duas formas.

Primeiro é uma questão de percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é não ser de esquerda? Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio, depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e, assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer para que esta situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar e que é muita loucura.

Como fazer para que isso dure? As pessoas pensam: “Os chineses estão longe, mas como fazer para que a Europa dure ainda mais?” E ser de esquerda é o contrário. É perceber... dizem que os japoneses percebem assim. Não veem como nós, percebem de outra forma. Primeiro eles percebem o contorno. Começam pelo mundo, depois o continente... europeu, por exemplo... depois a França, até chegarmos à rue de Bizerte e a mim.

É um fenômeno de percepção. Primeiro percebe-se o horizonte.

Entrevistadora: mas os japoneses não são um povo de esquerda.

Mas isso não importa. Estão à esquerda.

Primeiro, vê no horizonte e sabe que não pode durar, não é possível que milhares de pessoas morram de fome. Isso não pode mais durar. Não é possível essa injustiça absoluta. Não em nome da moral, mas em nome da própria percepção.

Ser de esquerda é começar pela ponta. Começar pela ponta e considerar que estes problemas devem ser resolvidos. Não é simplesmente achar que a natalidade deve ser reduzida, pois é uma maneira de preservar os privilégios europeus. Deve se encontrar os arranjos, os agenciamentos mundiais que farão com que o terceiro mundo... ser de esquerda é saber que os problemas do terceiro mundo estão mais próximos de nós do que os de nosso bairro. É de fato uma questão de percepção.

Não tem nada a ver com a boa alma. Para mim, ser de esquerda é isso.

E, segundo, ser de esquerda é ser ou devir minoria. Não deixar devir minoritário. A esquerda nunca é maioria enquanto esquerda por uma razão simples: a maioria é algo que supõe, até quando se vota, não é só a maior quantidade que vota para tal coisa mas a existência de um padrão. No ocidente, o padrão de qualquer maioria é: homem, adulto, macho, cidadão. Ezra Pound e Joyce disseram coisas assim. O padrão é esse.

Portanto, irá obter maioria aquele que, em determinado momento, realizar este padrão. Ou seja, a imagem sensata do homem adulto, macho, cidadão. Mas posso dizer que a maioria nunca é ninguém. É um padrão vazio. Só que muitas pessoas se reconhecem nesse padrão vazio. Mas, em si, o padrão é vazio. O homem macho, etc...

As mulheres vão contar e intervir nesta maioria ou em minorias secundárias a partir de seu grupo relacionado a este padrão. Mas, ao lado disso, o que há? Há todos os devires que são minoria. As mulheres não adquiriram o ser mulher por natureza. Elas têm um devir mulher. Se elas têm um devir mulher, os homens também o têm. Falamos do devir animal. As crianças também têm um devir criança. Não são crianças por natureza. Todos os devires são minoritários.

Entrevistadora: só os homens não têm um devir homem...

Não, pois é um padrão majoritário. É vazio. O homem macho, adulto não tem devir. Pode devir mulher e virar minoria. A esquerda é o conjunto de processos de devir minoritário. Eu afirmo: a maioria é ninguém e a minoria é todo mundo. Ser de esquerda é isso: saber que a minoria é todo mundo e que é aí que acontece o fenômeno do devir. É por isso que todos os pensadores tiveram dúvidas em relação à democracia, dúvidas sobre o que chamamos de eleição. Mas são coisas bem conhecidas".

Pense FORA DA CAIXA.

Eis o vídeo com a resposta do pensador:





0 comentários:

Postar um comentário