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ARTIGOS

domingo, 2 de junho de 2013

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MARCHA DAS VADIAS - Recife, 2013

A Marcha das Vadias passou e depois dela vieram os comentários. Comentários que foram desde os maiores elogios até a mais pura negação sem deixar de passar pela ridicularização, intolerância e desrespeito. Enquanto professor, presenciei colegas de profissão afirmarem que um movimento que busca respeito não deveria ter participantes seminuas gritando palavras de ordem pelas ruas e se auto-intitulando vadias.

Decidi escrever algumas considerações sobre a Marcha das Vadias com o objetivo inicial de esclarecer alguns tópicos e, claro, instigar o pensamento fora da caixa através da Discórdia. Comecemos, então:

1. O MOVIMENTO TEM UMA ORIGEM VIOLENTA.
Após a ocorrência de vários estupros na universidade de Toronto, no Canadá, um policial afirmou que, para não serem violentadas sexualmente, as mulheres não deveriam se vestir como vadias. Mais de três mil pessoas protestaram e, a partir dali, espalhou-se pelo mundo.

2. QUANDO ALGUÉM É ASSASSINADO A CULPA É DO ASSASSINO; POR QUE QUANDO UMA MULHER É ESTUPRADA, A CULPA É DELA?
Vamos seguir o raciocínio em etapas: quando alguém é roubado, busca-se o ladrão que cometeu o delito e não se diz: “quem mandou ter celular? Só podia ser roubado, mesmo. Bem feito!”; quando alguém é assassinado, destaca-se o crime, procura-se o criminoso e não se diz: “quem mandou estar vivo? Se está vivo é para ser assassinado! Acho é bom!”
                Quando uma mulher sofre um estupro, há um olhar mórbido, acusador para a vítima e pergunta-se afirmando: “será que ela não provocou?” “você reparou na roupa que ela está usando? Pedindo pra ser estuprada!”
                É UMA LÓGICA PERVERSA que naturaliza o estupro contra mulheres e é um crime brutal, uma vez que o que há de mais pessoal, o próprio corpo, é violado contra vontade de sua dona.

3. VADIA = LIVRE PARA VESTIR O QUE QUISER E FAZER O QUE QUISER COM O PRÓPRIO CORPO.
Ouvi muito a frase: “como querem respeito e se chamam de vadias?” Vamos entender: usa-se o termo para definir quem não tem ocupação, quem não faz nada. No popular, é referência a vagabunda ou, ainda, prostituta. As mulheres que foram violentadas na universidade de Toronto, pense bem, universidade de Toronto, poderiam ser definidas assim? Provavelmente não.
                Se você é uma mulher e está lendo esta postagem, és vadia porque escolhes a roupa que queres usar? E mais ainda: só porque sua roupa tem um decote ou é um short curto você é uma prostituta? Penso que não.
                O uso do termo Vadia tem o objetivo de negar o conteúdo preconceituoso que a palavra tomou. As palavras e o sentido que a elas é dado também são ideológicas.
                Quando o policial usou o termo, reafirmou uma visão machista e sexista que legitima muitos crimes. A mesma sociedade que veicula propagandas afirmando que as mulheres devem se vestir de maneira sensual e agradar namorados, maridos e afins, é a mesma que chama de vadia essa mesma mulher que sofre uma violência por estar usando a roupa que a propaganda vendeu com a característica mágica de torná-la sensual e atraente.
                Temos uma contradição perversa e cruel. Se quisermos adicionar um elemento novo, então perguntemos o que justifica os estupros contra mulheres que usam burcas ou vestimentas “mais comportadas” como o caso recente de estupro coletivo na Índia (é recente a notícia, mas atos dessa natureza ocorrem há muito tempo, tempo demais, até).

Se o corpo feminino é usado como objeto para vender cervejas, roupas e pode ser atraído a partir da compra de determinados produtos, é exatamente isso o que a Marcha pretende negar, outros óculos, outra visão. Quando uma Vadia mostra o seio, a ideia, entenda, é: "O PEITO É MEU, SE USO ROUPA DECOTADA, É PORQUE QUERO USAR, E NÃO PARA VOCÊ, HOMEM, PEGAR!"

Mas o que é exposto em muitos lugares (destaque para a imprensa) são as fotos das mulheres que mostram os peitos, contribuindo para uma imagem equivocada e distorcida do objetivo da Marcha...

Ir para a Marcha ajudaria muito na quebra dessa visão distorcida. A Marcha é contra as violências que as mulheres sofrem, sendo a física, a violência extrema. As simbólicas estão por aí o tempo inteiro, desde a imposição de cores, passando pelos brinquedos, os assovios, as propagandas de cerveja.

Alguém vai afirmar: "MAS AS MULHERES ACEITAM ESSAS SITUAÇÕES DE INFERIORIZAÇÃO, USAM ROUPAS DESSE OU DAQUELE JEITO, PARTICIPAM DOS COMERCIAIS..."

Pensemos: COMO COBRAR UMA REFLEXÃO ACERCA PRÓPRIA CONDIÇÃO QUANDO NÃO SE FOI INSTRUMENTALIZADA PARA ISSO, QUANDO TODO O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO (lembrando Durkheim e outros) DIRECIONOU A FORMAÇÃO DE MUITAS PARA ESSE FIM?

4. TÁ, CONCORDO COM PARTE DO QUE ELAS REIVINDICAM, MAS TEM QUE SER A  FAVOR DO ABORTO? ISSO, PARA MIM, É CRIME.
Uma das imposições sociais mais recorrentes para as mulheres é a de ser mãe. Afirma-se que toda mulher é uma mãe natural. Parir é natural, ser mãe é social, culturalmente aprendido.
(…)
(…)
(…)

PAUSA ESTRATÉGICA PARA A FÚRIA E INDIGNAÇÃO QUE BROTOU NO CORAÇÃO DE MUITXS LEITORXS.

ATENÇÃO, LEIAM COM O CORAÇÃO ABERTO E A MENTE TAMBÉM:

Tudo que não está atrelado a natureza é cultural. Exemplo: fome é natural, saciar a fome é natural. Saciar a fome comendo aquela feijoada ao invés de feijão tropeiro é cultural. Dormir é natural. Dormir em cama ortopédica, cultural, considerando que o ato de dormir em tal móvel é parte do que se prescreve para determinados males da coluna ou, simplesmente porque se quer dormir em tal cama.

Ficar prenha (ou engravidar) é natural. Completar os nove meses de gestação é parte do que há de natural na gestação humana (alguns fetos não completam esse tempo). Mas SER MÃE, é algo que se aprende. Há o aprendizado da paciência, do tom de voz para garantir o controle, os sistemas de recompensa para comportamentos adequados, as “palmadas pedagógicas” que fazem parte do SER MÃE.

Uma problematização importante é a de que se ser mãe é natural, como explicar as mães que negam filhxs quando nascem? E por favor, não argumente com “estava possuída pelo mal” ou algo do gênero. A questão é que aborto é mal discutido na sociedade e negar a legitimidade de uma Marcha que busca melhores condições para quem, historicamente, esteve sempre sofrendo vituperações é demonstração de pouca sensibilidade.

Quando se discorda de um movimento, deve-se agir em prol do aperfeiçoamento, seja discutindo, seja atuando...mas calar-se e apenas criticar este ou aquele aspecto ou todo o movimento, é contribuir para a perpetuação do mal. Como escreveu o poeta: o problema não é a maldade dos malvados, mas a omissão dos "bons".

Precisa-se também sair do “umbigocentrismo” da própria opinião. A Discórdia é saudável. O que não contribui para a mudança social é a postura do “já opinei e fui ridicularizadX. Não falo mais! Pronto!” o primeiro passo para uma transformação contundente é considerar que suas ideias podem e serão recusadas. Injustiça? Talvez. Motivo para não participar? Não.

Como afirmei no início dessa postagem: não quero convencer pessoas a saírem nas ruas apoiando a Marcha das Vadias, mas esclarecer aspectos que, enquanto professor, é muito inquietante ver e ouvir sendo mal interpretados ou propositadamente mal interpretados.

O lema é: Discórdia hoje, Discórdia amanhã, Discórdia SEMPRE


Pensemos fora da caixa.

2 comentários:

  1. Excelentes contribuições. Adorei a ideia da discórdia em um mundo/tempo em que o discutir, parece, que virou "brigar" necessariamente. Parabéns Colega professor.

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